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Edição nº 4 – Janeiro de 2016

 

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O crítico de arte Agnaldo Farias | Foto: Everton Martins

Agnaldo Farias é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), crítico de arte e curador. Realizou curadorias, entre outras instituições, para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural Banco do Brasil e Fundação Bienal de São Paulo. Foi curador da representação brasileira na 25ª Bienal de São Paulo (1992) e curador-adjunto da 23ª Bienal de São Paulo (1996) e da 1ª Bienal de Johannesburgo (1995). É autor dos livros As naturezas do artifício, sobre a obra de Amélia Toledo, Daniel Senise: the piano factory e Arte brasileira hoje.

 

ARRUAÇA – Qual o valor da arte interativa na visão de crítico?
Agnaldo Farias – Não existe essa categoria de arte interativa, não é um gênero artístico. Há modalidades de arte que começaram a surgir e a ser diagnosticadas no final dos anos 1950. No caso de obras como o Penetrável de Hélio Oiticica, Penetrable, de Jesus Rafael Soto ou Os bichos, de Lygia Clark, que são todos trabalhos desta década. Você desaloja o espectador da sua passividade. A obra só acontece se ele a atravessa, manipula e, portanto, interage com ela. Então, vamos lá, supondo que você mexa na obra e entre em contato sobre esse ponto de vista, muda a própria concepção daquilo que se exige do espectador. Mudando a concepção este já não é mais passivo. Ele é um ator do processo, um agente e o artista é aquele que encena, orquestra, possibilita, permite esse encontro. E muda a própria noção da obra de arte. Por exemplo, quando você lê O jogo da amarelinha, de Júlio Cortázar, aquilo não se comporta como as narrativas com as narrativas habituais, não tem começo, meio e fim. São capítulos embaralhados e você pode ler ao acaso. Portanto aquilo mudou e ao mudar a estrutura da obra você altera noção de obra de arte.

 

Qual é a proposta artística de um trabalho que faz com que o espectador se torne parte da obra?
Geralmente, isso é um modo de dizer que não existem lados excludentes, que não estou eu de um lado e o mundo do outro, mas que eu estou no mundo e o mundo está em mim. O que isto quer dizer? Quer dizer que quando eu olho para você, você de algum modo, eu estou em você e você está em mim porque o mundo existe em relação. Isso é um exercício básico de fenomenologia.

 

Que falta o trabalho de Hélio Oiticica e Lygia Clark faz à arte praticada hoje no Brasil?
Há muitos artistas que fazem obras referentes a ambos, muitos, muitos. É não só eles, claro, porque não foram os dois que inauguraram a arte com esse componente e também com o grau e o nível e as questões levantadas por um e por outro, por exemplo. São obras distintas, então certos aspectos do trabalho de Cildo Meireles têm a ver com o Hélio Oiticica, e da obra de Ernesto Neto se relacionam com o de Lygia Clark.

 

Há alguma exposição interativa que o tenha impressionado? Como ocorreu a experiência?
Inúmeras. Na Bienal de 1989, o modo de articulação da representação brasileira foi muito importante. Há exposições que impressionam pela qualidade do que está sendo apresentado e frequentemente não só por isso. Também as narrativas que são construídas com obras fazendo com que elas discutam umas com as outras. O modo como Lina Bo Bardi fez a expografia do MASP original chamou-me muita a atenção e foi muito impactante quando era adolescente.

 

Em sua opinião, a tecnologia é sempre uma grande aliada da arte?
Sempre, não existe arte sem tecnologia.

 

Em Estética relacional, Nicolas Bourriaud cita alguns momentos em que a tecnologia pode fazer com que o espectador veja a obra de maneira não presencial. Qual é a sua opinião a respeito disso?
Eu não me refiro a este tipo de tecnologia. Ela é da difusão da obra que é fundamental. Claro, mas e a tecnologia para se produzir pigmento? Falo da pintura a óleo que aliás foi um invento tecnológico incrível, já que até então a pintura era fresca e era feita na parede. Já na pintura a óleo você transforma em uma coisa portátil, isto é uma revolução. Você não teria o impressionismo se não fosse a invenção do tubo de tinta, o que pressupõe a industrialização. E não apenas industrialização porque o tubo de tinta você pode carregar e não ficar preparando a tinta no ateliê, por que se faz pintura no ateliê? Por que a tinta tinha que ser feita no ateliê e você não pode sair na rua que a tinta seca. Agora quando ela está dentro do tubo ela está armazenada como uma pasta de dente e por isso que os pintores podiam ir para a rua e assim que o impressionismo existiu. Isto é tecnológico? Isto é altamente tecnológico. Então a gente associa a tecnologia, que não tem nenhum problema também, com a tecnologia digital. Hoje você tem trabalhos de altíssima tecnologia, mecânica ou até digital mas produzir um bom pigmento vermelho você vai ver Rembrandt e quantas tonalidades de preto ele conseguiu? Você pensa que isso é simples? Ele tinha um olho extraordinário para isso, olho clínico.

 

Neste ano no estado de São Paulo houve um crescimento de exposições de arte interativa. A que fatores o senhor atribui essa ocorrência
Existe hoje um particular a preço por exposições interativas que produzam arte para que o público entre em contato pelo efeito espetaculoso que elas propiciam e isso torna muito mais agradável está numa exposição. Estamos vivendo uma etapa regressiva muito forte, então, é interessante para muita gente que haja trabalhos a ser tocados, para brincar, pular, igual a um parque de diversões. E essas exposições caem no agrado dos patrocinadores, porque são muito atraentes, são rendáveis, charmosas e fáceis. O Hélio Oiticica falava do “crelazer”, era um mix de criatividade e lazer, assim como Domenico De Masi fala do “ócio criativo”.

 

Que papel a arte pode assumir no mundo contemporâneo?
Acredito que a arte traga consigo a possibilidade de o mundo ser de um outro modo que transgrida as significações, pois o mundo está contabilizado, está sob o jugo de sintaxes formuladas e estabelecidas e acho que os artistas mostram que as coisas podem ser diferentes. Eles instalam, a dúvida perplexidade, eles alimentam a imaginação e é isso que mantem vivos. Na verdade, os cientistas também fazem isso. Os cientistas verdadeiros, que são pessoas que questionam tudo que existe, estão atentos e não acreditam nas informações que lhes foram passadas ou no mundo como está e querem que o mundo avance. A diferença é que a arte não dá respostas; ela faz perguntas.