A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é um complexo hidrelétrico no rio Xingu, com capacidade de geração de energia de 11,2 megawatts (MW) – um megawatt é suficiente para abastecer 500 residências por mês. Terceira maior do mundo, a usina é um projeto debatido pelo Governo Federal desde 1989 e já rendeu uma série de discussões sobre os impactos sociais, ambientais e culturais em torno de projetos com infraestrutura desse tamanho.
No dia 13 de fevereiro, a jornalista Juliana Arini defendeu sua dissertação de mestrado sobre as narrativas que envolvem a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. DE KARARAÔ A BELO MONTE: Um estudo sobre as narrativas das reportagens de revista analisou 27 reportagens sobre a Usina de Belo Monte publicadas nas principais revistas impressas nacionais – Época, Carta Capital, IstoÉ e Veja – desde janeiro de 1989 até maio de 2013. O estudo dessas matérias levou a uma discussão sobre a profundidade da reportagem e o espaço da narrativa e do diálogo no jornalismo. A pesquisadora dedicou dois anos e meio ao mestrado e demorou quase um ano só para conseguir juntar todas as reportagens.
Juliana já tinha experiência com questões de hidrelétrica por ter trabalhado em uma assessoria de imprensa que prestava serviços para Furnas, complexo de usinas hidrelétricas e termelétricas que é subsidiária da Eletrobras, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A mestranda sempre ficava incomodada com o fato de não haver nenhuma matéria que realmente refletisse a verdade do que acontece nessas grandes obras.
A pesquisa como forma militância
Devido ao seu contato anterior com o tema, Juliana militava contra a construção da Usina de Belo Monte. Dimas Künsch, coordenador da pós-graduação na Faculdade Cásper Líbero e orientador da mestranda, explica que o pesquisador deve evitar tomar partido, já que sua função é “pesquisar, levantar e se confrontar com as teorias”.
Para o coordenador, a própria pesquisa acadêmica já tem um sentido político e social intrínseco “é um serviço que uma instituição presta à cidadania, pois com o mestrado estamos contribuindo para a produção científica que pode colocar o Brasil num lugar melhor ou pior dentro de um contexto mundial e o tema escolhido por Juliana, além de ser extremamente atual, é de relevância nacional”.
Adeus às narrativas ?
De acordo com a pesquisa de Juliana, em 24 anos de cobertura apenas três jornalistas dos veículos analisados foram à Usina de Belo Monte. Isso demonstra um desinteresse em investir no tema da construção da usina e na ausência de espaço para a voz do outro nas reportagens, pois, ao deixar de ir ao local, o repórter perde depoimentos importantes e diferentes pontos de vista. A pesquisadora frisa “a dificuldade de narrar de perto, esse olhar estrangeiro que nós temos”. Para Dimas, mesmo com os recursos da internet, não é possível fazer uma reportagem sem pessoas, interlocutores concretos.
Juliana concluiu que a maioria das reportagens estudadas eram textos dissertativos e não narrativos, ou seja, partiam de um pressuposto e o defendiam no decorrer do relato, sem espaço para discussão. Dimas justifica esse fato afirmando que “somos filhos de uma tradição de pensamento, que tem pelo menos cinco séculos de existência, que não valoriza a conversa, a troca de ideias, a deliberação. Nós pensamos em geral que os técnicos têm todas as respostas para os problemas humanos e isso é de um reducionismo enorme”.
“Como não há diálogo e os veículos ‘compram’ uma tese, a construção é tomada quase como um dogma” explica Dimas. A função do jornalismo é estar a serviço de um diálogo com a sociedade não se apresentar com uma resposta pronta, pois assim não cumpre seu papel de mediador social, “elevando a população para um patamar de entendimento do que está acontecendo”.
A falta de comunicação entre todas as partes envolvidas fica mais evidente na escolha do primeiro nome do projeto: Kararaô, um grito de guerra dos povos Caiapó. Além disso, Juliana constatou que os índios eram sempre retratados de forma caricata, como o inimigo em oposição ao progresso.
Ainda para falar das narrativas, Juliana tratou da crise do jornalismo principalmente em um período como a transição de 2012 para 2013, com diversos jornais e revistas sendo fechados. Ela defende que essa fase é apenas uma mudança de plataforma e que de jeito nenhum a narrativa irá morrer, “a narração é algo intrínseco ao ser humano, o tempo passa, os homens morrem e as narrativas continuam”.
Segundo a pesquisadora, não é muito difícil fazer uma boa reportagem: “o ideal seria se as pessoas fizessem o básico do jornalismo: ir ao local onde o fato aconteceu, apurar, ouvir todas as partes e escrever uma narrativa, sem um lado apaixonado”. Um pouco do que pretende em seu trabalho é também desmitificar o olhar sobre as reportagens como algo muito difícil de fazer.
A questão da energia elétrica nacional
Para Juliana, além do questionamento sobre os impactos sociais e ambientais, deveria haver também um questionamento econômico. “É verdade que esse investimento, custeado por dinheiro público vai gerar a energia que promete? E essa energia, para onde vai? E a conta de luz, que irá aumentar para pagar as linhas de transmissão de Belo Monte?” argumenta Juliana.
Outro ponto levantado pela pesquisadora é a situação das aldeias após a passagem das obras; Muitas cidades não conseguem ou demoram muito para se reerguer das mudanças causadas pela intensa circulação de dinheiro (proveniente da violência, drogas e prostituição) e pessoas, as quais a cidade não estava acostumada. “Isso acaba com a cidade, a obra vai embora e o caos fica” explica ela.
Juliana deixa claro que não é contra a energia elétrica, mas sim contra a falta de debate em torno desse assunto no país. Dimas reforça a importância de discutir a energia no âmbito de todas as matrizes possíveis: energia solar, energia eólica, carvão, hidrelétrica, energia nuclear. “Parece-me que as pessoas mais conscientes tenham chegado à conclusão de que a resposta não pode ser uma só, temos que ter múltiplas soluções e então pesar os prós e os contras de cada uma das soluções” pondera o professor.