INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O VESTIBULAR DE VERÃO 2025 Fechar

Por Pedro Assunção

 

A professora Issaaf Karhawi é jornalista, graduada pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul; mestre e doutora em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo. É autora do livro “De Blogueira a Influenciadora – Etapas de profissionalização da blogosfera de moda brasileira”, pela editora Sulina. Issaaf dedica-se à pesquisa na área da Comunicação, na tentativa de examinar e compreender o universo online e a cultura digital, onde ela observa os chamados “influenciadores digitais”. Atualmente é docente na Universidade Anhembi Morumbi e no Centro de Estudos Latino-americanos sobre Cultura e Comunicação, da USP, e é integrante do grupo de pesquisa COM+, que tem ênfase na pesquisa em Comunicação, Jornalismo e Mídias digitais.

No mês de março Issaaf ministrou a Aula Magna do Mestrado da Faculdade Cásper Líbero, “Influências digitais: perspectivas teóricas nas pesquisas em Comunicação”, na qual apresentou a evolução e expansão das pesquisas sobre o tema. Nesta entrevista, Issaaf se aprofunda em alguns aspectos abordados:

  • O influenciador se define quando um sujeito é considerado digno de ser portador da palavra. Você poderia falar um pouco mais sobre a construção dessa legitimação?

O influenciador é alguém a quem conferimos o direito à palavra, reconhecendo nele crédito e representatividade dentro de um grupo social específico. Essa pode ser uma possibilidade de analisar esse “sujeito influente”, esse “quem” enunciador dentro de um processo de comunicação. Aqui, faço um empréstimo das discussões do Patrick Charaudeau – que não estuda especificamente os influenciadores digitais, importante pontuar. O autor debate, em sua obra, os contratos de comunicação da mídia, mas parece que ali há pistas para entender também as razões para “darmos ouvidos” aos influenciadores digitais.

Trazendo outras perspectivas, pode-se compreender os influenciadores digitais como produtos da cultura popular, como defende Crystal Abidin, e, justamente por isso, múltiplos e diversos. Consensualmente, podemos entendê-los como sujeitos dotados de visibilidade nas redes sociais digitas e capazes de amplificar ou suprimir discursos e, também, publicizar produtos.

Hoje, reivindica-se o termo creator para falar dos influenciadores. Essa virada discursiva é importante porque o termo “influenciador” nasceu justamente para dar conta de uma atividade que não poderia mais se restringir à plataforma (blogueiro ou youtuber). Exigia-se, à época, um termo mais amplo. Mas o nome de batismo deu muita ênfase à influência no consumo de bens materiais, no impacto na decisão de compra dos seguidores. E, cada vez mais, vemos que os influenciadores não são apenas “influentes” porque fazem alguém comprar algo, mas pela capacidade de agendar discussões e, em alguns casos, até colocar desinformação em circulação.

Em meu livro, De blogueira a influenciadora, ainda trabalho com a hipótese de que influenciadores digitais configuram-se como novos perfis profissionais no campo da comunicação. Com isso, ser um influenciador prevê também o domínio de certas competências e habilidades profissionais específicas.

  • Você acredita que a força dos influenciadores pode substituir a da imprensa como mediadora da opinião pública? É possível haver um equilíbrio entre esses dois contextos?

Retomando Charaudeau, o discurso dos influenciadores digitas parte de contratos de comunicação bastante distintos daqueles da mídia tradicional. Então, um suplantar o outro não parece exatamente o cenário. E faço aqui um parêntese: uma dúvida constante em minhas aulas e palestras é justamente a relação entre influenciadores e jornalistas (vou assumir que estejamos falando de jornalismo, quando imprensa aparece na pergunta). Ouço coisas como: “os influenciadores tomaram o lugar dos jornalistas?”; “a mídia não tem mais importância?”. Mas o problema não é o influenciador digital. A “crise” do jornalismo é muito anterior ao surgimento dos influenciadores. C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky falam brilhantemente sobre isso no relatório “Jornalismo pós-industrial” do Tow Center for Digital Journalism.

Então, a crise é outra (ainda que seja ótimo acharmos um bode expiatório). Em certa medida, e isso eu apresento também em meu livro, os influenciadores digitais surgiram a partir da identificação de um vazio deixado pela mídia nas redes sociais digitais. As blogueiras de moda, precursoras desse mercado, foram responsáveis por identificar um vazio de informação que poderia ter sido rapidamente ocupado pela mídia tradicional, pelo jornalismo de moda, mas não foi. As blogueiras de moda levaram para o digital uma temática que parecia limitada a uma elite e um assunto, até então, pouco democrático. Elas fizeram uso das ferramentas disponíveis e entraram no polo de produção da mídia.

Mas voltando ao ponto da opinião pública. A esfera pública contemporânea tem um caráter híbrido que, em diálogo com Beth Saad, reserva um quê de statusfera: valoriza-se aquilo que têm gênese no digital ou que, em certa medida, constrói “reputação digital”. Então, em que medida é possível pensar em opinião pública no espaço das redes sociais digitais? Espaços fragmentados, clusterizados, conformados e modulados por algoritmos? Mas, antes mesmo das redes, Bourdieu já apontava o caráter fragmentado da opinião pública. O que pode soar como um paradoxo, afinal, a opinião pública sintetizaria interesses de uma sociedade, condensaria certos saberes e apontaria para um “ordenamento político”. Mas é um espaço de controvérsias. E os influenciadores estão ali, ao lado da mídia, ao lado das organizações, ao lado dos sujeitos participativos. O desequilíbrio é pressuposto dessa ordenação.

Mas é impossível não reconhecer que estamos em um momento de avalanche informativa, de colapso de contexto e isso tudo impacta não só na opinião pública, mas facilita a circulação de desinformação. É nessa esfera que a mídia tradicional deve disputar espaços com os influenciadores. E, se possível, tomar de volta alguns espaços que exigem competências profissionais próprias e credibilidade (institucional ou não) do jornalista. Além de ética e compromisso com a manutenção da nossa democracia e da ciência.

  • Nota-se em mídias digitais a apropriação de práticas de influenciadores em diversos campos profissionais. Qual seriam possíveis limites profissionais para evitar a superexposição?

Essa pergunta é ótima porque me faz pensar em outra: estamos tentando evitar a superexposição? Parece que não. Parece justamente o oposto. A busca é pela superexposição. Não à toa, o termo “blogueirinha” começou a crcular pelas redes. “Fulano virou blogueirinha!”, “Ela tá toda blogueirinha!”. Isso fala justamente desses empréstimos das práticas dos influenciadores digitais para se construir presença nas redes sociais – ou para performar a partir de certos signos de sucesso. As blogueiras são, afinal, sujeitos bem-encaixados socialmente já que atendem muito bem ao imperativo da visibilidade. Não são diminutas, como as inhas, em uma sociedade que exige exposição, que exige exteriorização da própria intimidade.

Nesse sentido, talvez o caminho não seja pensar limites já que as plataformas conformam nosso modo de estar no mundo, de se fazer um sujeito social. E, automaticamente, vão impactar também no mercado de trabalho. O limite que devemos tratar aqui é o limite profissional. Por exemplo, quais os limites da exposição do trabalho de um médico nas redes sociais digitas? Há limites definidos por um Conselho de classe. Não se pode expor pacientes ou prometer resultados, por exemplo. Mas é possível se apropriar de práticas dos influenciadores digitais, ou de características dessa produção de conteúdo.

Mas retomo aqui a minha hipótese de trabalho: se influenciadores digitais são perfis profissionais no campo da Comunicação, atuar como um influenciador nas redes é acumular duas atuações profissionais. E, muitas vezes é isso o que acontece. Profissionais de diversas áreas passam a produzir conteúdo nas redes com o objetivo de se tornar um influenciador e atuar sob um modelo de negócio baseado em publicidade e relações com marcas. Já outros profissionais liberais e autônomo usam as redes sociais digitais como meio, como caminho para levar mais pacientes/clientes/consumidores para seu consultório/escola/loja. O digital passa a ser uma forma de dar visibilidade ao trabalho feito em outro lugar, uma ferramenta e não o espaço em que a atuação profissional se dá. No caso dos influenciadores digitais, o processo é outro: as redes sociais não são apenas meio, mas começo, meio e fim da atuação. É lá que o trabalho acontece (ainda que tenhamos, hoje, outros modelos de negócio dos creators que buscam se desvincular das instáveis e opacas plataformas de redes sociais).

  • Muitas vezes, um objeto de pesquisa é escolhido a partir de uma inquietação. Como você chegou ao tema das suas pesquisas de mestrado/doutorado/pós-doutorado?

Eu sempre me interessei por objetos “menos nobres”. E, olhando pra trás, acho que sempre tive um pouco de analista do discurso em mim. O discurso circulante sempre me convocou. Logo no meu TCC, ouvia as pessoas dizendo que “jovens não leem!”. Na época, como professora de inglês, via adolescentes vidrados na saga Crepúsculo. E fui pesquisar exatamente isso: a relação dos jovens com a série literária por meio de uma leitura que se expandia para o digital em fanfics. Era um objeto da “baixa cultura” e uma tentativa de mostrar que, às vezes, desvelar o discurso circulante é encontrar tensões, disputas, camadas bem mais complexas da nossa sociedade. Foi o mesmo no meu mestrado quando estudei televisão e blogs de personagens. Em 2011, a minissérie “Afinal, o que querem as mulheres?” estava em exibição na TV Globo e, curiosamente, o personagem principal tinha um blog e os espectadores conversavam com ele ali – como uma pessoa de carne e osso. De novo, estava ouvindo que a internet mataria a televisão e que os internautas não assistiam TV. E, de repente, uma estratégia transmidiática revela a potência da televisão em novas formas de assistir uma minissérie. O problema de pesquisa do meu doutorado veio do mesmo lugar: eu era leitora de blogs de moda e vi um post em que a blogueira respondia à algumas perguntas da audiência. Entre elas, a fatídica: “se você não fosse blogueira, o que você seria? O que seus pais acharam da sua decisão?”. Ali, entendi que tinha um discurso em circulação: esse de se sentir autorizado a nomear-se blogueira. Até então, parecia só um passatempo, uma brincadeira. Mas aquela pergunta dava indícios de que ali havia algo mais; uma profissão, talvez? E foi exatamente o que fui entender: como se deu o processo de profissionalização da blogosfera de moda no brasil. Como aquele hobby passou a ser trabalho?

Foucault fala algo, em Arqueologia do Saber, que guia meu olhar de pesquisadora: “[…] não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época […]”. Costumo me atentar muito àquilo que circula, o discurso circulante, ou o “senso-comum” são combustíveis para o fazer científico. E eu quero entender, sempre, porque é que é possível enunciar algo aqui, agora, nesse nosso tempo. Quais são as disputas em jogo? O que é preciso se estabelecer para que algo ecloda no tecido social? Ou o que é preciso suprimir? E assim por diante.

  • Na sua visão, quais são os principais pontos de análise sobre o tema atualmente e quais serão os próximos desafios e as oportunidades que a área de influência digital vivenciará?

Em uma conversa que tive com a pesquisadora Crystal Abidin, publicada na revista da Intercom, elencamos algumas perspectivas mais comuns entre os pesquisadores dedicados aos estudos de influenciadores digitais: 1) aqueles que partem dos estudos de celebridades; 2) os que se dedicam aos estudos do trabalho digital ou plataformizado; 3) pesquisadores que analisam influenciadores digitais a partir da ecologia da comunicação. É importante marcar essas dimensões porque, como diria o Saussure, “o ponto de vista cria o objeto”. Isso significa que há inúmeros e frutíferos pontos de análise sobre o tema, inclusive, um mesmo objeto não será esgotado apenas por um deles.

Mas pensando em oportunidades, acho que já poderíamos marcar “ondas” das pesquisas sobre influenciadores. No início, ainda olhando para os blogs, as pesquisas eram marcadas pelas discussões teóricas relacionadas ao amadorismo, cultura participativa e comunidades virtuais. Depois, com a consolidação das plataformas de redes sociais na Internet, as pesquisas passaram a se interessar pela relação entre as plataformas e os influenciadores, os impactos dos algoritmos na produção de conteúdo e esses agenciamentos técnicos. Então, parece que as oportunidades podem estar bastante concentradas nessa última temática – desde shadowbans até fundos de remuneração de influenciadores. Mas, claro, as questões “clássicas” da influência são sempre excelentes objetos e vão se renovando ciclicamente.

Sobre desafios; fazer pesquisa em comunicação digital já é um grande desafio porque exige do pesquisador uma postura resiliente, adaptabilidades às mudanças das redes e, consequentemente, de seus objetos. Também, por tratar de objetos do nosso cotidiano, é preciso redobrar a atenção com a vigilância epistemológica e deixar evidente a ruptura epistemológica, ou seja, evidenciar esse momento de cisão com o “senso comum”. Baita desafio!

  • Sobre atuais e futuros estudos relacionados ao tema, quais são suas dicas e sugestões aos(às) pesquisadores(as) para esse percurso?

De forma mais prática, minha sugestão é que os pesquisadores encontrem seus pares, saibam o que está sendo pesquisado no campo ou na área, participem de eventos, acolham as críticas e coloquem seus trabalhos em circulação. Ainda que se fale muito que a pesquisa é algo individual e até solitário, pesquisa é coletiva! Pesquisa se faz na troca, no debate, na escuta. Nesse sentido, não tenha medo de fazer referência aos colegas que pesquisam exatamente o mesmo tema/objeto que você. Isso não invalida a sua pesquisa, isso não a torna menos inovadora. Na verdade, só demonstra como esse tema é reconhecido como importante pelo campo, pelos pares acadêmicos. Demonstra também que a problemática de pesquisa tem agenda de país, como diria Martín-Barbero.

  • Durante a Aula Magna, você trouxe uma série de referências sobre o tema. Gostaria de compartilhá-las aqui também para incluirmos na notícia e indicar as sugestões sob sua curadoria?

Indiquei diversos trabalhos e autores na aula magna, mas, além dos que mencionei ao longo da entrevista, indico duas coletâneas: 1) o dossiê sobre influenciadores digitais publicado pela revista Communicare, em 2017, e organizado por Carolina Frazon Terra e Eric de Carvalho; 2) a coletânea Creator Culture: An Introduction to Global Social Media Entertainment, organizada por Stuart Cunningham e David Craig, mais recente, de 2021. As duas obras reúnem pesquisadores diversos que olham para o universo dos influenciadores digitais a partir de distintas abordagens e interesses.